Friday, May 06, 2005

Despe-te!

A máquina servia a Teresa tanto de olho mecânico para observar a amante de Tomás como de véu para se esconder dela.
Só depois de passado um bom momento é que Sabina se resolveu a tirar o roupão. A situação era mais complicada do que imaginara. Depois de posar alguns minutos, aproximou-se de Teresa e disse-lhe: «Agora, é a minha vez! Despe-te!»
Este «despe-te!», que Sabina tantas vezes ouvira da boca de Tomás, tinha-se gravado na sua memória. Era portanto a ordem de Tomás que a amante dava agora à mulher dele. As duas mulheres estavam assim unidas pela mesma frase mágica. Era o processo que Tomás usava para transformar uma conversa anódina numa situação erótica: fazia-o não com carícias, toques, elogios ou súplicas, mas com uma ordem que proferia bruscamente, de improviso, com uma voz suave, embora enérgica e autoritária, e à distância. Nesse momento, nunca tocava na mulher a quem a dirigia. Mesmo à própria Teresa dizia, exactamente no mesmo tom: «Despe-te!». E embora falasse com suavidade, embora sussurrasse, tratava-se realmente de uma ordem. Só por lhe obedecer, ela ficava logo excitada. Ora, acabara precisamente de ouvir essas mesmas palavras e desejava tanto mais submeter-se a elas quanto é loucura obedecer a um estranho e, neste caso, loucura ainda mais bela por não terem sido proferidas por um homem mas por uma mulher.
Sabina tirou-lhe a máquina das mãos para ela se poder despir. Teresa ficou de pé, nua e desarmada à sua frente. Literalmente desarmada porque privada da máquina de que se servira para esconder a cara e que, momentos atrás, apontava a Sabina. Encontrava-se à mercê da amante de Tomás. Essa docilidade inebriava-a. Se os segundos em que está nua em frente de Sabina pudessem nunca mais acabar!
Penso que também Sabina foi tocada pelo encanto insólito daquela situação em que, à sua frente, estranhamente dócil e tímida, se encontrava a mulher do amante. Disparou duas ou três vezes e, depois, como que assustada com a magia daquele encantamento e para dissipá-la o mais depressa possível, desatou a rir muito alto.
Teresa imitou-a e ambas se foram vestir.

Milan Kundera
In. «A Insustentável Leveza do Ser»

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