Friday, September 09, 2011

Tarquínio

«... fitando o tecto com os olhos muito abertos, recordava o aspecto dela quase nua, no seu velho fato de banho. Gemeu. Tinha sentido tantos ciúmes de Sam. Pousou a mão sobre o sexo e imaginou como seria se conseguisse que Constance lhe fizesse o que a irmã lhe fazia tão gostosamente quando brincavam os dois no celeiro. Tomou a gemer e rolou de um lado para o outro num pequeno paroxismo de desejo. (E a propósito, pensava Constance para consigo, ninguém tinha notado essas coisas antes de Freud descobrir a sexualidade infantil. Era inteiramente incrível.)

Depois admoestou-se, dizendo: «Valha-me Deus, estou a ser de novo pedantescamente escolástica. Qualquer mãe devia sabê-lo, devia tê-lo visto; mas a convenção social amordaçava-a, ela não podia falar disso. «Contudo», não tinha absoluta certeza de que fosse assim.

Quanto à famosa sexualidade infantil tinha havido um incidente durante aquele memorável último Verão, que fora tudo menos equívoco. Tinha acontecido uma manhã em que Sam abandonara o ninho quente da cama para desafiar o frio do açude e cabriolar no meio dos nenúfares, deixando-a meio atordoada entre o amor e o sono. O Sol não tardaria a nascer. Ora, ali deitada, dormitando confusamente, sentiu o lençol puxado para trás o suficiente para deixar entrar o corpo do filho mais pequeno de Blaise, que se insinuou ao lado dela, metendo-se no círculo dos seus braços, começando a cobrir a sua face adormecida com uma chuva de beijos. Constance acordou surpreendida e ficou por um longo momento sem saber o que fazer, incapaz de formular uma forma de conduta adequada a esta intrusão proibida que ao mesmo tempo parecia quase inocente dada a idade do jovem Tarquínio, que não parecia capaz de levar sozinho as coisas mais longe. Ele estava numa agonia de amor. Emergindo do meio da barragem dos seus beijos de passarinho, ela deu consigo a dizer: «Non. Non. Arrête!», mas ao mesmo tempo que dizia isto sentiu o pequeno pénis palpitante despejar-se contra a seda da sua vagina aquecida. Que havia ela de fazer? Era um dilema! A rapidez do assalto tinha-a colhido de surpresa. Ela conseguiu proferir as palavras redentoras sem excessivo pedantismo, mas era já demasiado tarde, o mal estava feito, e a face transfigurada do garoto exprimia a inocência da sua emoção. A arma do crime começava agora a encolher e murchar, ele soltava gritinhos abafados de prazer e enterrou a face entre as mamas de Constance. Isto não era conveniente e ela preparava-se para tomar uma atitude mais enérgica e definitiva quando ouviram providencialmente o estalido do trinco da porta da cozinha lá em baixo a abrir-se e o som de passos nas lajes da cozinha. De forma miraculosa, o garoto desvaneceu-se - como se evaporado no ar; era um acto da mais pura desaparição! Ele sumiu-se da vista e do som tão rapidamente que ela nem teve tempo de formular a repressão que estivera prestes a subir-lhe aos lábios e agora já nem tinha a certeza de não haver sonhado todo aquele episódio. Mas não, o pequeno depósito de sémen estava ali, com as suas gotículas que começavam a cristalizar sobre o matagal pélvico. Voltou a dormitar, ou tentou-o, até ao reaparecimento de Sam e à renovação das suas carícias, a carne fria do rapaz começando a aquecer sob as suas respostas. Eles amaram-se de novo, lentamente, um tanto fatigadamente, porque o episódio com o garoto a sua subsequente excitação a faziam sentir-se um pouco culpada; ela sentiu-se oprimida pelo peso da verdade e pelo desejo de confessá-la - na medida do possível! Ela necessitava de obter uma absolvição vicariante na cópula mais rica e mais profunda com o seu amante.

- Fui violada - disse ela, mas de modo a fazer aquilo soar como um gracejo. Obsequiosamente ele tomou aquilo como tal e disse:

- Por quem... por um sonho, por um desejo, ou pelo pensamento de um padre?

- Sim - disse ela, mas sem especificar.

- Bem, estás muito quentinha - disse ele, com um fingido suspiro de tristeza. - Uma pessoa tem sempre de agradecer ao outro, (L'Autre, o Hóspede, o sodomita...»
Lawrence Durrell
IN. «CONSTANCE OU PRÁTICAS SOLITÁRIAS»

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Monday, September 05, 2011

Boas Intenções

Hoje, comemorando o aniversário da morte de Madre Teresa de Calcutá, faço tenções de voltar a escrever ou transcrever textos para este blogue. É mal empregado estar há tanto tempo desactualizado...

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Saturday, August 01, 2009

A Vénus Pelada


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Tuesday, March 13, 2007

Os olhos fechavam-se-lhe

Entretanto, soerguia o lenço do pescoço e metia-me uma das minhas mãos pelo seio; calava-se, eu calava-me também; parecia sentir um grande prazer. Convidava-me a beijar-lhe a testa, as faces, os olhos, a boca, e eu obedecia-lhe; não via mal nisso; cada vez era maior o prazer que ela sentia; e como eu não podia desejar coisa melhor que colaborar na sua felicidade com toda a minha inocência, beijava-lhe de novo a testa, as faces, os olhos e a boca. A mão que ela me poisara no joelho passeava por toda a minha roupa, da extremidade dos pés à cintura, premindo ora num ponto ora no outro; exortava-me gaguejando, numa voz alterada e surda, a continuar as minhas carícias; eu continuava; por fim chegava um instante, não sei dizer se de prazer se de sofrimento, em que ela ficava pálida como uma morta; os olhos fechavam-se-lhe, todo o seu corpo se lhe retesava violentamente, os lábios apertavam-se-lhe mais ainda, humedecidos por uma espuma ligeira, depois a boca entreabria-se-lhe, soltando um grande suspiro; parecia morrer. Levantava-me bruscamente; pensava que ela se sentia mal; queria sair, chamar. Ela entreabria ligeiramente os olhos e dizia-me, numa voz desfalecida:

-Inocente, não é nada! Que vai fazer? Não...

DIDEROT
«A Religiosa»



Sunday, November 26, 2006

Não respondeu mas desatou a extremidade do sari

«- Apaga a luz - disse-me ela baixinho, entrando no quarto. Depois correu a esconder-se atrás do canapé de verga com receio de que a vissem de fora.

Apaguei e aproximei-me dela perguntando estupidamente: «Que há? Porque estás aí? Que tens tu, Maitreyi?

. Não respondeu mas desatou a extremidade do sari e ficou nua ate a cintura.,

Realizara esse gesto de olhos fechados, lábios crispados, contendo os suspiros com grande esforço. A visão da sua carne nua banhada pela claridade incerta que iluminava o meu quarto tocou-me como um milagre impossível de conceber antecipadamente. Muitas vezes sonhara com a nossa primeira noite de amor, julgara ver, alterado pelo desejo, o leito em que havia de conhecê-la, mas nunca poderia ter imaginado o corpo adolescente de Maítreyi despindo-se de boa vontade e por sua própria iniciativa, de noite, na minha frente. Eu desejava uma união vertiginosa, em circunstâncias estranhas, mas esse gesto espontâneo ultrapassava a minha expectativa.

Fiquei impressionado com a simplicidade, o natural dessa iniciativa duma rapariga virgem que vem sozinha, de noite, ao quarto do noivo porque nada daí em diante pode separar um do outro.

Muito docemente, tomei-a nos braços, receando a princípio aproximar-me muito dela, nua como estava, mas logo as minhas mãos, roçando-lhe as ancas, encontraram o sari que ainda as cobria e duma só carícia fizeram-no cair aos pés. Eu tremia por ter cometido esse sacrilégio e ajoelhei-me diante desse corpo cuja nudez ultrapassava para mim toda a beleza imaginável e participava do sobrenatural. Espontaneamente ela rodeou-me os ombros com os braços, implorando-me, sem uma palavra, que me levantasse. Tremia dos pés à cabeça. A imensa felicidade que a conduzira até mim não podia suprimir completamente o terror e a loucura desse momento.

Aproximou-se do leito em passos curtos e leves e todo o seu corpo avançava segundo um ritmo novo. Quis tomá-la nos braços para a ajudar a estender-se; ela recusou e deitou-se sozinha, cobrindo a minha almofada de beijos. Por um curto instante vi-a estendida sobre o meu lençol branco, como uma estátua viva de bronze. Ela tremia, ofegante, e repetia o meu nome. Baixei os estores de madeira e o quarto ficou na sombra. Sentia-a contra o meu corpo, apertada, cerrada, como se quisesse esconder-se, perder-se em mim. Já não era o desejo sensual mas uma sede ardente de todo o meu ser, a vontade de confundir a sua carne com a minha carne, a imagem da sua alma ligada já à minha.

Não me lembro do mais que se seguiu. Possui-a inconsciente e nenhum vestígio desses momentos ficou na minha memória. Algumas horas mais tarde, ao aproximar-se a aurora, levantou-se e, sem olhar para mim, lançou sobre si o sari. Ao franquear a porta que abrira com quantas precauções e com quantas pancadas de coração, disse-me simplesmente:

- A nossa união foi ordenada pelo Céu. Não vês que hoje, …»

NOITE BENGALI
Mircea Eliade


Tuesday, November 07, 2006

Entrei a medo

http://www.poemar.com/images/AmplexoDiversidades.gif

Entrei a medo. Uma lamparina iluminava vagamente o interior mostrando uma pequena cómoda e pouco mais. Na parede uma imagem protectora.

Olhei para ti. Deitada na esteira, aguardavas-me como se esse acto fizesse parte do teu dia a dia. Confesso que bebi um pouco para ter a coragem suficiente para te bater à porta. Cá fora, o bulício próprio das noites quentes de África, homens procuravam mais uma noite de prazer.

De vez em quando gritos ecoavam, uma mão caía com força na cara de uma mulher obrigando-a a prostituir-se para os seus vícios.

Em cada porta havia um corpo desgastado pelo tempo aguardando que um olhar se voltasse para ele a fim de que mais uma migalha de pão pudesse ser tragado pelo candengue que na escuridão da cubata a tudo assistia.

Mas tu não, aguardavas-me silenciosa perscrutando-me com os teus olhos negros. Sinto que sorriste ao de leve ao sentires a minha atrapalhação. Fizeste-me sinal para me sentar a teu lado.

Deslizaste a mão suavemente pelo meu corpo suado. Corpo imberbe ainda, onde aqui e ali um pequeno tufo de pelos anunciava o fim do adolescente e o principio do homem.

No meu jeito desastrado, como a descobrir a essência do corpo de uma mulher, procurei corresponder mas, os sentidos nublados pelo etílico inibia-me o gesto, o movimento e, a mão, quedou-se nos teus peitos hirtos.

Pouco a pouco foste-me retirando cada peça de roupa, o teu corpo de corça enroscou-se no meu, os sentidos foram despertando lentamente como se a fronteira existente entre o adolescente e o homem fosse um pequeno abismo que tivesse que ser transporto não de um salto mas sim, como se tivesse que contornar cada obstáculo, devagar, devagarinho saboreando ao máximo o abandono do corpo de menino.

Depois o êxtase, o clímax, deitado a teu lado, o meu corpo de homem abraçou o teu cor de ébano e adormecemos profundamente.

Em: http://marius70.blogs.sapo.pt/

Saturday, October 14, 2006

E ela o descansa a ele, ambos se descansando.

www.hat.net/album/asia/india/10_temples_and_gods/


É Dezembro, os dias são curtos, estando o céu de nuvens mais cedo anoitece, por isso Baltasar e Blimunda dormirão uma noite no caminho, num palheiro de Morelena, disseram que vêm de Mafra e vão para Lisboa, viu o caseiro que eram gente honrada e emprestou-lhes uma manta para se cobrirem, a tanto pode chegar a confiança. Já sabemos que destes dois se amam as almas, os corpos e as vontades, porém, estando deitados, assistem as vontades e as almas ao gosto dos corpos, ou talvez ainda se agarrem mais a eles para tomarem parte no gosto, difícil é saber que parte há em cada parte, se está perdendo ou ganhando a alma quando Blimunda levanta as saias e Baltasar deslaça as bragas, se está a vontade ganhando ou perdendo quando ambos suspiram e gemem, se ficou o corpo vencedor ou vencido quando Baltasar descansa em Blimunda e ela o descansa a ele, ambos se descansando. Este é o melhor cheiro do mundo, o da palha remexida, dos corpos sob a manta, dos bois que ruminam na manjedoura, o cheiro do frio que entra pelas frinchas do palheiro, talvez o cheiro da lua, toda a gente sabe que a noite tem outro cheiro quando faz luar, até um cego, incapaz de distinguir a noite do dia, dirá, Está luar, pensa-se que foi Santa Luzia a fazer o milagre e afinal é só uma questão de fungar, Sim senhores, que lindo luar o desta noite.

JOSÉ SARAMAGO
«MEMORIAL DO CONVENTO»