Saturday, October 14, 2006

E ela o descansa a ele, ambos se descansando.

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É Dezembro, os dias são curtos, estando o céu de nuvens mais cedo anoitece, por isso Baltasar e Blimunda dormirão uma noite no caminho, num palheiro de Morelena, disseram que vêm de Mafra e vão para Lisboa, viu o caseiro que eram gente honrada e emprestou-lhes uma manta para se cobrirem, a tanto pode chegar a confiança. Já sabemos que destes dois se amam as almas, os corpos e as vontades, porém, estando deitados, assistem as vontades e as almas ao gosto dos corpos, ou talvez ainda se agarrem mais a eles para tomarem parte no gosto, difícil é saber que parte há em cada parte, se está perdendo ou ganhando a alma quando Blimunda levanta as saias e Baltasar deslaça as bragas, se está a vontade ganhando ou perdendo quando ambos suspiram e gemem, se ficou o corpo vencedor ou vencido quando Baltasar descansa em Blimunda e ela o descansa a ele, ambos se descansando. Este é o melhor cheiro do mundo, o da palha remexida, dos corpos sob a manta, dos bois que ruminam na manjedoura, o cheiro do frio que entra pelas frinchas do palheiro, talvez o cheiro da lua, toda a gente sabe que a noite tem outro cheiro quando faz luar, até um cego, incapaz de distinguir a noite do dia, dirá, Está luar, pensa-se que foi Santa Luzia a fazer o milagre e afinal é só uma questão de fungar, Sim senhores, que lindo luar o desta noite.

JOSÉ SARAMAGO
«MEMORIAL DO CONVENTO»

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