Tuesday, November 08, 2005

ajudei-o a encontrar-me entre as rendas das saias,

quem mostrava a cara visível do poder, tinha entrado sem sequer bater às aldrabas, obedecendo aos caprichos da sua vontade ao compasso do bater das onze no relógio de pêndulo, e eu senti o metal da espora de ouro desde o terraço do pátio e compreendi que aqueles passos de mão de pilão com tanta autoridade nos ladrilhos do pavimento não podiam ser outros senão os dele pressenti-o de corpo inteiro antes de o ver aparecer no vão da porta do terraço interior onde o alcaravão cantava as onze entre os gerânios de ouro, cantava o verdilhão aturdido pela acetona fragrante dos cachos de bananas pendurados no beiral, brilhava a luz da aziaga terça-feira de Agosto entre as folhas novas dos bananais do pátio e o corpo do veado jovem que o meu marido Poncio Daza tinha caçado ao amanhecer e pusera a escorrer o sangue pendurado pelas patas junto aos cachos de bananas tigradas pelo mel interior, vi-o maior e mais sombrio do que num sonho, com as botas sujas de lama e o casaco de caqui ensopado de suor e sem armas no cinto, mas amparado pela sombra do índio descalço, que permaneceu imóvel atrás dele com a mão apoiada no cabo da catana, vi os olhos iniludíveis, a mão de donzela adormecida que arrancou uma banana do cacho mais próximo e a comeu com ansiedade e a seguir comeu outra e mais outra, mastigando-as de ansiedade com um barulho de pântano de toda a boca sem afastar a vista da provocativa Francisca Linero, que o olhava sem saber o que fazer, com o seu pudor de recém-casada, porque ele tinha vindo para satisfazer a sua vontade e não havia outro poder maior que o dele para impedi-Io, mal senti a respiração de medo do meu marido, que se sentou ao meu lado, e ambos permanecendo imóveis com as mãos dadas e os dois corações de postal ilustrado assustados em uníssono sob o olhar tenaz do ancião insondável, que continuava a dois passos da porta comendo uma banana atrás de outra e atirando as cascas para o pátio por cima do ombro, sem ter pestanejado uma única vez desde que começou a olhar para mim, e só quando acabou de comer o cacho inteiro e ficou o rebento pelado junto do veado morto fez um sinal ao índio descalço e ordenou a Poncio Daza que fosse ali um momento com o meu compadre da faca, que tem de tratar de um assunto contigo, e, embora eu estivesse a morrer de medo, conservava lucidez suficiente para me aperceber de que o meu único recurso de salvação era deixá-Io fazer comigo tudo o que lhe apeteceu na mesa de comer, mais ainda, ajudei-o a encontrar-me entre as rendas das saias, após o que me deixou sem fôlego com o seu cheiro a amoníaco e rasgou-me as cuecas com um golpe de garras e procurava-me com os dedos no sítio onde não era enquanto eu pensava, aturdida, Santíssimo Sacramento, que vergonha, que pouca sorte, porque naquela manhã não tinha tido tempo de me lavar, por estar dependente do veado, de maneira que ele satisfez por fim a sua vontade ao cabo de tantos meses de assédio, mas fê-Io depressa e mal, como se fosse mais velho do que era, ou muito mais novo, estava tão aturdido que mal me dei conta quando cumpriu o seu dever como melhor pôde e desatou a chorar com umas lágrimas de urina quente de órfão grande e sozinho, chorando com uma aflição tão funda que não só senti pena dele como de todos os homens do mundo e comecei a coçar-lhe a cabeça com a polpa dos dedos e a consolá-lo, dizendo que não era caso para tanto, senhor general, a vida é longa,

Gabriel Garcia Marquez

In. «O Outono do Patriarca»

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