Thursday, June 02, 2005

Cheira-me

12

Ou então, é tempo de o dizer, comendo ameixas debaixo da ameixoeira mágica e única, ainda lá está. Cláudia espremia o sumo para a mão, esfregava a cara de Xavier, depois vinha lambê-lo, boca com boca, língua com língua. Parecem duas cobras, dizia ela. Não era um beijo. Ou era mais que um beijo. Era, como dizer?, uma espécie de liturgia ou sagração, Cláudia bebia em Xavier o sumo das ameixas, ele bebia nela o seu próprio sumo, que não era senão o sumo do Verão, esse milagre. Talvez se deva também dizer: por vezes Cláudia fazia coisas estranhas. Alguns dirão – quase obscenas. É mais certo dizer: sagradas. Se não repare-se, ela despe-se e pede:
- Cheira-me.
Depois pergunta:
- A que é que eu cheiro?
Xavier responde:
- A madressilva.

Manuel Alegre
In. «A Terceira Rosa»

0 Comments:

Post a Comment

<< Home