Sunday, November 26, 2006

Não respondeu mas desatou a extremidade do sari

«- Apaga a luz - disse-me ela baixinho, entrando no quarto. Depois correu a esconder-se atrás do canapé de verga com receio de que a vissem de fora.

Apaguei e aproximei-me dela perguntando estupidamente: «Que há? Porque estás aí? Que tens tu, Maitreyi?

. Não respondeu mas desatou a extremidade do sari e ficou nua ate a cintura.,

Realizara esse gesto de olhos fechados, lábios crispados, contendo os suspiros com grande esforço. A visão da sua carne nua banhada pela claridade incerta que iluminava o meu quarto tocou-me como um milagre impossível de conceber antecipadamente. Muitas vezes sonhara com a nossa primeira noite de amor, julgara ver, alterado pelo desejo, o leito em que havia de conhecê-la, mas nunca poderia ter imaginado o corpo adolescente de Maítreyi despindo-se de boa vontade e por sua própria iniciativa, de noite, na minha frente. Eu desejava uma união vertiginosa, em circunstâncias estranhas, mas esse gesto espontâneo ultrapassava a minha expectativa.

Fiquei impressionado com a simplicidade, o natural dessa iniciativa duma rapariga virgem que vem sozinha, de noite, ao quarto do noivo porque nada daí em diante pode separar um do outro.

Muito docemente, tomei-a nos braços, receando a princípio aproximar-me muito dela, nua como estava, mas logo as minhas mãos, roçando-lhe as ancas, encontraram o sari que ainda as cobria e duma só carícia fizeram-no cair aos pés. Eu tremia por ter cometido esse sacrilégio e ajoelhei-me diante desse corpo cuja nudez ultrapassava para mim toda a beleza imaginável e participava do sobrenatural. Espontaneamente ela rodeou-me os ombros com os braços, implorando-me, sem uma palavra, que me levantasse. Tremia dos pés à cabeça. A imensa felicidade que a conduzira até mim não podia suprimir completamente o terror e a loucura desse momento.

Aproximou-se do leito em passos curtos e leves e todo o seu corpo avançava segundo um ritmo novo. Quis tomá-la nos braços para a ajudar a estender-se; ela recusou e deitou-se sozinha, cobrindo a minha almofada de beijos. Por um curto instante vi-a estendida sobre o meu lençol branco, como uma estátua viva de bronze. Ela tremia, ofegante, e repetia o meu nome. Baixei os estores de madeira e o quarto ficou na sombra. Sentia-a contra o meu corpo, apertada, cerrada, como se quisesse esconder-se, perder-se em mim. Já não era o desejo sensual mas uma sede ardente de todo o meu ser, a vontade de confundir a sua carne com a minha carne, a imagem da sua alma ligada já à minha.

Não me lembro do mais que se seguiu. Possui-a inconsciente e nenhum vestígio desses momentos ficou na minha memória. Algumas horas mais tarde, ao aproximar-se a aurora, levantou-se e, sem olhar para mim, lançou sobre si o sari. Ao franquear a porta que abrira com quantas precauções e com quantas pancadas de coração, disse-me simplesmente:

- A nossa união foi ordenada pelo Céu. Não vês que hoje, …»

NOITE BENGALI
Mircea Eliade


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