Tuesday, May 31, 2005

Uma Obra de Misericórdia - Consolar os Aflitos

Dona Palmira falou dos seus receios de pecado, do sofrimento do seu corpo abandonado, sem uso para o amor, a voz cada vez mais baixa, a cabeça curvada, os olhos postos no chão. O padre ouvia, ouvia sem a interromper. Involuntariamente as suas mãos começaram a afagar as da mulher ajoelhada a seus pés; a cabeça dela quase lhe tocava os joelhos e o padre estava muito consciente desta curta distância.
- Senhor Prior, quando uma mulher é jovem pode ser tão infeliz como uma outra em qualquer fase da vida, mas há uma diferença enorme nas pessoas: das jovens todos têm pena, das mais velhas ninguém quer saber, ou se riem... dizem «já fez a vida dela», que mais quer?
O padre sentia as palavras de Dona Palmira a penetrarem-lhe a alma e a enfraquecerem-lhe o corpo «eu que tenho pena desta mulher, insignificante, rica, infeliz, que me sinto atraído por ela, tenho que vê-la sofrer sem a ajudar? Lentamente as suas mãos começaram a afagar-lhe a cabeça «Palmira, não chores... eu...» e o Padre curvou-se para a frente para melhor abraçar a mulher; ajoelhou-se a seus pés mas mal os seus braços se prenderam àquele corpo que tremia como se estivesse cheio de frio, uma imensa ternura o invadiu, tudo se lhe varreu da consciências e apenas ficou aquele desejo imenso de a acariciar, com gestos e beijos, a princípio na testa, depois na boca, no corpo todo, enquanto as mãos lhe arrancavam a roupa
Palmira não se debatia, estava como que anestesiada.
Num vislumbre de consciência o padre fechou a porta da sacristia à chave, mas logo voltou a enlaçar-se na mulher.
Sequiosos, famintos os dois, pareciam devorar-se em cima do tapete. Por momentos só se ouviu o som da sua respiração ofegante, depois o suspirar do prazer alcançado.
- E agora? - Perguntou o padre que falou em primeiro lugar.
- Agora? - Repetiu Palmira como que sendo um eco sem entender. - Agora... agora... nada... – respondeu ela e apertou-lhe a mão com força enquanto ele lhe poisou um beijo grato na testa.

Maria Luís Brites
In. «Um Triângulo no Litoral»

Wednesday, May 25, 2005

Non. Non. Arrête!

O Sol não tardaria a nascer. Ora, ali deitada, dormitando confusamente, sentiu o lençol puxado para trás o suficiente para deixar entrar o corpo do filho mais pequeno de Blaise, que se insinuou ao lado dela, metendo-se no círculo dos seus braços, começando a cobrir a sua face adormecida com uma chuva de beijos.
Constance acordou surpreendida e ficou por um longo momento sem saber o que fazer, incapaz de formular uma forma de conduta adequada a esta intrusão proibida que ao mesmo tempo parecia quase inocente dada a idade do jovem Tarquínio, que não parecia capaz de levar sozinho as coisas mais longe.
Ele estava numa agonia de amor. Emergindo do meio da barragem dos seus beijos de passarinho, ela deu consigo a dizer: «Non. Non. Arrête!», mas ao mesmo tempo que dizia isto sentiu o pequeno pénis palpitante despejar-se contra a seda da sua vagina aquecida.
Que havia ela de fazer? Era um dilema! A rapidez do assalto tinha-a colhido de surpresa.
Ela conseguiu proferir as palavras redentoras sem excessivo pedantismo, mas era já demasiado tarde, o mal estava feito, e a face transfigurada o garoto exprimia a inocência da sua emoção. A arma do crime começava agora a encolher e murchar, ele soltava gritinhos abafados de prazer e enterrou a face entre as mamas de Constance.


Lawrence Durrell
In. «Constance, ou Práticas Solitárias»

Friday, May 06, 2005

Despe-te!

A máquina servia a Teresa tanto de olho mecânico para observar a amante de Tomás como de véu para se esconder dela.
Só depois de passado um bom momento é que Sabina se resolveu a tirar o roupão. A situação era mais complicada do que imaginara. Depois de posar alguns minutos, aproximou-se de Teresa e disse-lhe: «Agora, é a minha vez! Despe-te!»
Este «despe-te!», que Sabina tantas vezes ouvira da boca de Tomás, tinha-se gravado na sua memória. Era portanto a ordem de Tomás que a amante dava agora à mulher dele. As duas mulheres estavam assim unidas pela mesma frase mágica. Era o processo que Tomás usava para transformar uma conversa anódina numa situação erótica: fazia-o não com carícias, toques, elogios ou súplicas, mas com uma ordem que proferia bruscamente, de improviso, com uma voz suave, embora enérgica e autoritária, e à distância. Nesse momento, nunca tocava na mulher a quem a dirigia. Mesmo à própria Teresa dizia, exactamente no mesmo tom: «Despe-te!». E embora falasse com suavidade, embora sussurrasse, tratava-se realmente de uma ordem. Só por lhe obedecer, ela ficava logo excitada. Ora, acabara precisamente de ouvir essas mesmas palavras e desejava tanto mais submeter-se a elas quanto é loucura obedecer a um estranho e, neste caso, loucura ainda mais bela por não terem sido proferidas por um homem mas por uma mulher.
Sabina tirou-lhe a máquina das mãos para ela se poder despir. Teresa ficou de pé, nua e desarmada à sua frente. Literalmente desarmada porque privada da máquina de que se servira para esconder a cara e que, momentos atrás, apontava a Sabina. Encontrava-se à mercê da amante de Tomás. Essa docilidade inebriava-a. Se os segundos em que está nua em frente de Sabina pudessem nunca mais acabar!
Penso que também Sabina foi tocada pelo encanto insólito daquela situação em que, à sua frente, estranhamente dócil e tímida, se encontrava a mulher do amante. Disparou duas ou três vezes e, depois, como que assustada com a magia daquele encantamento e para dissipá-la o mais depressa possível, desatou a rir muito alto.
Teresa imitou-a e ambas se foram vestir.

Milan Kundera
In. «A Insustentável Leveza do Ser»